Gustavo Henrique Trindade da Silva
Neilton Araujo de Oliveira
A partir de 18 de fevereiro passado começaram a valer as novas regras para funcionamento de farmácias e drogarias, aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e, com elas, houve o acirramento do debate travado nos últimos meses em todo país: farmácias e drogarias são simples comércio ou estabelecimentos de saúde?
Conforme as novas regras, alguns medicamentos isentos de prescrição (MIP) não poderão mais permanecer expostos ao alcance direto dos consumidores, nas gôndolas e prateleiras. A comercialização de produtos também deve atender ao disposto na legislação federal, ou seja, somente podem ser comercializados produtos relacionados com a saúde. A venda de mercadorias em geral, tais como balas, sorvetes, refrigerantes, sandálias, pilhas, ração para cães, não é permitida.
Além disso, também foram regulamentadas a venda de medicamentos pela internet, a entrega de medicamentos em domicílio e a prestação de alguns serviços farmacêuticos, tais como aferição de pressão arterial, temperatura e glicemia capilar, dentre outras medidas para qualificação do atendimento e dos serviços prestados à população.
Apesar dos mais de dois anos de discussão com a sociedade e receber apoio de consumidores e de profissionais e órgãos de saúde, os avanços trazidos pelas novas regras são contestados por parte do setor varejista, que resiste às medidas e continua, sob a proteção de decisões liminares, a comercializar variedade de mercadorias e a manter medicamentos em gôndolas, de forma absolutamente contrária às políticas públicas de saúde e às normas de proteção e controle sanitário. Isto demonstra o quão distante ainda estamos da compreensão da sociedade quanto à dimensão e à complexidade do direito sanitário, cuja base nos remete para a natureza social do direito à saúde, inscrito na CF/1988 (art. 6º e art. 196).
Nos Estados Unidos, um país extremamente liberal acerca da utilização de MIP, um estudo publicado na revista Journal of American Medical Association (JAMA, 1998), estimou que em 1994 aproximadamente 2.216.000 pacientes hospitalizados tiveram reações adversas sérias, levando à morte aproximadamente 106.000 pessoas. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais da metade dos medicamentos são prescritos, dispensados ou utilizados de forma inadequada.
No Brasil, mais de 34.000 casos foram registrados em 2007, pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), o que na média corresponderia a aproximadamente 90 pessoas intoxicadas por dia.
Dentre os objetivos da nova regulamentação está o de evitar que medicamentos sejam dispensados e comercializados sem os devidos cuidados, como se fossem apenas mais um item de mero consumo. É a natureza do medicamento que exige, dos estabelecimentos que os dispensam, regime de controle específico e rigoroso.
Assim, a venda de medicamentos sem a observância dos procedimentos, dispostos por lei e seus regulamentos, é potencialmente ofensiva à saúde pública, cujos danos – quando não irreparáveis –, são de difícil reparação, como por exemplo a automedicação e os casos de intoxicação. Ademais, são graves os prejuízos e dificuldades para as ações de controle e fiscalização de tais estabelecimentos, especialmente no que se refere à origem, procedência e autenticidade dos produtos disponibilizados à população.
Tratar farmácia e drogaria como simples comércio tem sido um grande equívoco e tem contribuído para adoção de práticas comerciais abusivas, ou inadequadas, para a garantia de acesso seguro e qualificado da população a produtos ligados à saúde.
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