Por
Fabrício Carpinejar
Por que ela não conta? Por que ela não presta ocorrência na delegacia?
Todos acham um absurdo apanhar e não revidar publicamente.
Não é fácil se separar. Não é simples para muitas mulheres denunciar o companheiro.
Eu entendo a vergonha de quem suporta maus-tratos em casa.
A humilhação de apanhar do marido. De receber tapa ou empurrão e guardar para si. De levar soco ou pontapé e cuidar dos hematomas em sigilo.
Ninguém tem ideia de como essas pessoas sofrem.
Sofrem pela dor física, mas sofrem ainda mais pela esperança de que um dia seu homem vai se recuperar. E isso não acontece.
As mulheres que aguentam violência doméstica são solitárias. Absurdamente sozinhas. Loucamente desamparadas.
Perdem a paciência e a tolerância de quem poderia salvá-las.
Elas se isolam dos amigos, pois não têm mais coragem de disfarçar as histórias.
Elas se distanciam dos familiares porque nenhum parente admitiria a hipótese sequer de um insulto.
Morrem socialmente: enterradas vivas em suas próprias residências.
Apesar do calor excessivo, não podem usar vestidos e mangas curtas para não ostentar as feridas e os inchaços. Acordam de óculos escuros para se encarar no espelho.
Colocam sua maquiagem a reparar os danos noturnos.
Para os colegas, estão constantemente caindo da escada e tropeçando nos móveis.
Para os filhos, fingem que não choram com um sorriso que não mexe nem as rugas.
Elas mentem no lugar do agressor. Mentem pelo medo de não ter outra chance de ser feliz.
Dedicam suas horas a zelar por uma farsa, a proteger um conto de fadas que existe na aparência, tentando salvar o casamento a qualquer custo.
Festejam as semanas sadias como milagres. Saúdam os momentos calmos como férias. Esmolam olhares de ternura para compensar o inferno.
Eu entendo as mulheres agredidas. Entendo, e dói entender.
É uma espiral de constrangimentos, que abole as defesas, que apaga a personalidade, que anula o temperamento.
São frágeis, quebradiças, carentes.
Atravessam um domingo inteiro procurando uma desculpa para continuar.
São as únicas que não enxergam que terminou o relacionamento, que não há jeito de recuperar o respeito.
Não são apenas cegas de amor, porém também surdas e mudas. O amor roubou todos os sentidos, todo o sentido de suas vidas.
Juram que foi uma exceção quando é a terceira ou quarta vez que a discussão desanda em briga.
Invertem a perspectiva do mundo: a tranquilidade é a exceção em sua rotina e se enganam que é a regra.
Juram que o marido não é violento, que há muita pressão do trabalho, que é efeito da bebida.
Explicam e justificam e argumentam o impossível, naquela mania de se convencer da pobreza para aceitar a miséria.
Ele se arrepende, ele chora, ele promete que não fará de novo, ele se ajoelha, ele manda flores, mas será reincidente.
Para essas mulheres que resistem em segredo, só tenho uma coisa a dizer: quem bate uma vez baterá sempre.
Apanhar por amor jamais melhora o amor.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 31/12/2013 e 01/01/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 17660
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