15 de março de 2012

Entrevista: IDOSOS x MEDICAMENTOS

ABUSO DE MEDICAMENTOS
Parece estar pré-estabelecido que pessoas com mais idade precisem tomar remédios. Algumas tomam uma quantidade absurda de comprimidos todos os dias: três ou quatro no café da manhã, outros tantos no almoço e no jantar e, à noite, medicamentos para dormir.
O problema é que esses remédios podem interferir uns com os outros de acordo com o organismo de cada pessoa e nenhum médico é capaz de prever como o paciente reagirá no momento em que prescreve a medicação.
Remédios só devem ser tomados com cuidado, depois de diagnóstico e avaliação médica. Remédio demais faz mal à saúde.

INTERAÇÃO DE MEDICAMENTOS

Drauzio – Pessoas de idade costumam tomar muitos remédios. São remédios para diabetes, pressão alta, para a memória e mais a vitamina que a filha trouxe da farmácia. Você acha que todos os remédios usados pelos idosos são realmente necessários?
Fabiano Rocha – Normalmente, não. Por causa da fragmentação da medicina em diversas especialidades, a tendência é cada especialista avaliar sua área e indicar um medicamento específico. No conjunto, porém, a interação dos medicamentos prescritos pelos diversos especialistas que a pessoa se vê obrigada a consultar pode não dar certo.
Em geral, a partir do quarto medicamento, ocorrem efeitos colaterais, alguns realmente muito sérios, a ponto de provocar dificuldade de raciocínio, perturbações do equilíbrio, uma causa de quedas frequentes, e outras alterações erroneamente relacionadas ao processo de envelhecimento.

Drauzio – É bom lembrar que, na medicina, conhecemos mal a interação de dois ou três medicamentos e que, daí em diante, não sabemos praticamente nada.
Fabiano Rocha – Esse é um assunto bastante complexo. Há estudos que tentam averiguar as possíveis combinações de medicamentos e os efeitos colaterais que podem provocar. Atualmente, estão definidos os efeitos da associação de até três medicamentos. Mais do que isso é realmente um campo desconhecido, embora saibamos que os efeitos colaterais pela interação de medicamentos ocorrem de maneira exponencial, ou seja, num crescendo, e que a partir do nono medicamento todos os pacientes apresentarão efeitos colaterais adversos.

Drauzio – Você falou no nono medicamento, o que parece um número absurdo. É comum encontrar pessoas que tomam nove remédios diferentes?
Fabiano Rocha – Na prática clínica, isso ocorre frequentemente. Primeiro, por causa da fragmentação da medicina em especialidades. Depois, porque a incidência das doenças (algumas poderiam ser tratadas sem medicação) tende a aumentar com o envelhecimento. Por isso, quanto mais simples e racional for a indicação terapêutica, melhor. Evitar a prescrição de medicamentos acaba sendo, muitas vezes, a conduta mais adequada para tratar um paciente.

REMÉDIOS PARA DORMIR

Drauzio – Quais são os medicamentos que os idosos tomam com mais frequência?

Fabiano Rocha – São os psicotrópicos. Nós observamos que quanto mais idoso, mais medicamentos desse tipo são utilizados. Alguns pacientes os tomam para ficar um pouco mais calmos sem que o médico tenha definido exatamente o porquê da agitação que os perturba. Outros, porque têm dificuldade para dormir.
Embora possam ocorrer alterações de sono ao longo do processo de envelhecimento, do ponto de vista fisiológico, esses medicamentos não deveriam ser indicados antes de investigação precisa da causa desse distúrbio, porque ele pode estar relacionado a certas doenças que merecem diagnóstico e tratamento específico.

Drauzio – Uma das alterações mais frequentes que surgem com a idade são mesmo as de sono. Há pessoas que levantam à noite, ficam agitadas, vão para a cozinha, acendem o fogo e não o apagam antes de voltar para o quarto. A família assustada pede ao médico que prescreva alguma coisa para o idoso dormir. Aí, o médico receita o primeiro remédio, que não funciona direito. Receita o segundo, às vezes faz associações de medicamentos e vai ficando difícil diferenciar o que é propriamente alteração do sono do que é efeito da medicação.

Fabiano Rocha – Numa situação como essa, a primeira medida é suspender toda a medicação para entender o que pode estar acontecendo com o paciente. Enquanto ele estiver sob efeito dos medicamentos, a análise será distorcida. Entretanto nunca se deve, a priori, considerar essas manifestações adversas como normais dentro do processo de envelhecimento. Eventualmente, podem estar associadas a alterações comportamentais provocadas por uma infecção ou a outras doenças ainda não diagnosticadas, como podem ser decorrentes de uma patologia neurocerebral, por exemplo, a doença de Alzheimer.

Drauzio – É normal a pessoa de idade apresentar alterações de sono?
Fabiano Rocha – Podemos dizer que, durante o processo de envelhecimento, as pessoas vão ficando com o sono mais leve. No entanto, o número de horas que dormem é muito parecido com o que dormiam quando jovens.
Há alguns aspectos da dinâmica do sono dos idosos que a família precisa entender melhor até para conseguir ajudar. É frequente encontrar pacientes que dormem cedo por pura questão de hábito. Consequentemente, acordam muito cedo, lá pelas 4 ou 5 horas da manhã. Mas, se computarmos as horas que dormiram, apesar de terem levantado muito cedo, perceberemos que foi um número bastante adequado.
No entanto, eles podem estar acordando por alguns outros motivos que precisam ser investigados. Nos homens, por exemplo, é muito comum o sono ser interrompido pela necessidade de ir ao banheiro para urinar.

DIFICULDADES NO TRATAMENTO DE IDOSOS

Drauzio – Outro problema sério em relação aos medicamentos prescritos para as pessoas de idade é garantir a aderência ao tratamento e o uso dos remédios nos horários e dosagens indicadas. Como garantir que o idoso com déficits de memória consiga tomar direitinho oito ou nove medicamentos por dia?

Fabiano Rocha – O médico deve estar muito atento a essa questão. Precisa ter certeza de que o idoso é capaz de ter acesso aos medicamentos, de entender as maneiras e os horários em que devem ser tomados. Caso haja alguma dúvida, a família deverá ser convocada para receber orientação.
Como em algumas fases o paciente acredita ser capaz de fazer assumir essa tarefa sozinho, a vigilância passa a ser fundamental a fim de evitar efeitos adversos por causa de dose elevada ou mistura inadequada de medicamentos na rotina do dia a dia.

Drauzio – Essas caixinhas que apresentam subdivisões para separar os remédios de acordo com a hora e a quantidade que devem ser tomados ajudam o idoso?
Fabiano Rocha – É uma estratégia, mas não funciona para todos. A solução tem de ser individualizada de acordo com as necessidades do paciente e da família. Não basta apenas o médico fazer a receita porque no final o que conta é o paciente tomar a medicação e de maneira correta. Por isso, é fundamental a troca de informações entre o médico, o paciente e sua família.

QUANTO MENOS, MELHOR

Drauzio – Quando recebe um paciente que está tomando vários medicamentos, o que você costuma fazer?
Fabiano Rocha – Minha vontade é sempre suspender o maior número possível de medicamentos e invariavelmente consigo racionalizar de alguma forma seu uso. Às vezes, substituindo por outros tipos de tratamento, é possível reduzir para dois essenciais os nove medicamentos que o paciente vinha tomando. Outras vezes, só é possível retirar um ou dois. Os resultados ficam evidentes na segunda consulta quando tanto ele quanto a família referem-se à melhora de disposição e do funcionamento da memória, o que vem provar que as alterações anteriores eram por conta dos efeitos colaterais dos medicamentos e não propriamente por conta do processo de envelhecimento.

Drauzio – Na verdade alguns desses medicamentos são absolutamente inúteis. Não existe, por exemplo, remédio eficaz para a memória, mas são muitos os idosos que tomam esse tipo de medicamento.
Fabiano Rocha – O bom funcionamento da memória não está ligado ao uso de medicamentos. Se existe um déficit de memória, suas causas têm de ser investigadas e, feito um diagnóstico, devem ser tratadas. Essa abordagem racional do problema, às vezes, causa estranheza para a família.

Drauzio – Há outros remédios inúteis como esses para a memória?
Fabiano Rocha – Existe a chamada prescrição em cascata. O médico receita uma medicação para a dor, por exemplo, que tem como efeito colateral a constipação intestinal. Daí, o hábito intestinal da pessoa, que era diário, começa a espaçar-se e ela volta ao médico com a queixa de que seu intestino não está funcionando direito. Na tentativa de resolver o problema, ele prescreve outro e mais outro medicamento.
A prescrição em cascata explica em parte a quantidade enorme de remédios que toma o idoso.

Drauzio – Quer dizer que o paciente toma um remédio e depois outro para o efeito colateral que o primeiro provocou e assim sucessivamente. Na verdade, se deixasse de usar o primeiro, todos os outros seriam absolutamente desnecessários.
Fabiano Rocha – No caso da constipação intestinal, por exemplo, bastava apenas orientar os hábitos alimentares e estaria resolvido o problema.

ESTILO DE VIDA

Drauzio – A tendência dos médicos e da própria família é medicar sem prestar atenção em outras medidas que poderiam ajudar a resolver certos problemas, como fazer a pessoa andar, movimentar-se, por exemplo.

Fabiano Rocha – Esse é um fato que noto com frequência nos pacientes que me procuram e em suas famílias, embora muitos busquem alternativas para a medicação e desejem uma forma de medicina um pouco mais natural, um pouco mais racional.
Nesse sentido, procuramos destacar a importância do contexto familiar e social, da atividade física e de um ambiente psicossocial adequado. Tudo isso somado propicia condições favoráveis ao menor uso de medicamentos.

Drauzio – Quanto ao estilo de vida, quais são as recomendações que ajudam o idoso a não tomar tantos remédios?
Fabiano Rocha – A atividade física é fundamental e constitui uma das formas mais eficientes para diminuir a quantidade de medicamentos. Além disso, aumenta a massa muscular, torna-a mais exuberante, regula os hábitos intestinais e melhora o equilíbrio. A pessoa fica menos vulnerável a quedas, uma vez que elas são frequentes nos idosos também por conta do abuso de medicamentos.
Do ponto de vista psíquico, a atividade física deixa a pessoa mais centrada, tranquila e desenvolta, inclusive socialmente. Do ponto de vista fisiológico, é responsável pela liberação de uma série de hormônios, por exemplo, o hormônio do crescimento (que tem ação benéfica sobre a pele, a musculatura, a quantidade de cálcio nos ossos, etc.), a testosterona e tantos outros que tornam desnecessária a indicação de vários medicamentos.

VITAMINAS E MINERAIS

Drauzio – Você receita vitaminas para os pacientes idosos que têm dieta variada, que comem verduras, legumes e frutas?
Fabiano Rocha – Quem tem dieta variada não precisa de vitaminas a não ser que haja um déficit real de alguma delas. No que se refere à ação preventiva dos antioxidantes, do ponto de vista científico, esse é um assunto ainda discutido intensamente em relação aos reais benefícios que o uso desses medicamentos possa trazer. Por isso, procuro passar ao paciente e à família a noção de que quanto menos medicamentos, incluindo as vitaminas, melhor.

Drauzio – É muito lógico que se dê cálcio para um idoso que não toma leite, por exemplo. No caso das vitaminas, quais são os critérios que você adota para prescrevê-las?
Fabiano Rocha – Alimentação balanceada é o melhor remédio para o déficit vitamínico. De maneira geral, as frutas proporcionam a quantidade necessária de vitaminas ao organismo. Acontece que, na terceira idade, as pessoas começam a ter uma dinâmica familiar e social mais complexa. É a senhora viúva que mora sozinha – atitude que incentivo e valorizo -, mas que não encontra graça em cozinhar só para si. Fazer comida para mais pessoas era mais fácil e lhe dava maior prazer. Essa nova realidade, somada a hábitos antigos de alimentação, nem sempre muito saudáveis, pode provocar alguns déficits.
Nesse caso, procuro fazer as pessoas entenderem a importância da alimentação equilibrada e oferecer algumas alternativas para a escolha de alimentos com os nutrientes de que necessitam. Não é raro um senhor ou uma senhora que moram sozinhos fazerem as refeições num restaurante de comida por quilo e basta orientá-los sobre a seleção dos alimentos colocados no prato que a necessidade premente de repor vitaminas e outros nutrientes será evitada.

HIDRATAÇÃO DOS IDOSOS

Drauzio – É claro que varia conforme a estação do ano, mas qual é o mínimo de água necessário para o corpo humano de mais de 70 anos?
Fabiano Rocha – Durante o processo de envelhecimento existe perda progressiva da quantidade total de água no organismo, uma vez que os mecanismos que a retêm não funcionam tão bem quanto na juventude. A esse fato estão associados alguns fenômenos interessantes. A pessoa não percebe, por exemplo, que está com sede e não toma água, quando deveria tomá-la mesmo que não sentisse sede.
A situação complica em cidades de calor intenso e para quem toma diuréticos para controle de doenças cardiovasculares. E tem mais: a possibilidade de a desidratação evoluir para insuficiência renal é agravada pelo uso de certas medicações como os anti-inflamatórios não hormonais que invariavelmente são prescritos nos casos de dores e artroses.
Desidratação é um problema sério para as pessoas idosas. Internadas com quadro grave de desidratação e insuficiência renal, muitas vezes, elas acabam indo a óbito.

Drauzio – Morrem apesar de existir um tratamento tão simples e barato.
Fabiano Rocha – Se não houvesse o abuso de anti-inflamatórios e a pessoa fosse orientada para hidratar-se da forma adequada, essa possibilidade seria mais rara. Infelizmente, hoje em dia, é bastante frequente.

FARMACOGENÉTICA

Drauzio – Você poderia explicar o que é farmacogenética e qual o impacto que essa área da farmacologia exercerá na medicina?
Fabiano Rocha – Com o avanço do conhecimento genético, (a tecnologia inclusive já existe), será possível saber qual o melhor medicamento para determinado indivíduo numa situação específica. Drogas anti-hipertensivas, por exemplo, serão escolhidas de acordo com as características genéticas do paciente, e outras serão evitadas porque o processo enzimático definido por seu código genético mostra que não haverá metabolização adequada e que poderão aparecer efeitos colaterais indesejáveis.
A revolução que a farmacogenética trará é tão grande que, em 1999, o Wall Street Journal publicou algumas preocupações do ponto de vista financeiro em função do impacto provocado sobre a indústria farmacêutica num futuro próximo.

Drauzio – Pode-se dizer, então, que vai desaparecer o empirismo nas prescrições médicas. Receitar o mesmo remédio para todos, sabendo que alguns pacientes irão responder bem e outros não, essa tentativa de acerto e erro será finalmente descartada?
Fabiano Rocha – A tecnologia já existe só que não é ainda acessível, mas acredito que em pouco tempo a farmacogenética será uma realidade nos consultórios e hospitais.

DESPESAS COM REMÉDIOS

Drauzio – O Brasil tem um sistema de Previdência Social muito precário para a enorme maioria dos brasileiros. Excetuando alguns privilegiados, todos os outros recebem muito pouco de aposentadoria. Como você vê o gasto desproporcional com medicamentos dentro da nossa realidade econômica e social?

Fabiano Rocha – Na minha opinião, os investimentos estão desfocados. Deveríamos estar mais preocupados em cuidar da saúde do que das doenças. Acredito, também, que em algum momento o governo será obrigado a rever a política de saúde, um conceito bastante amplo que pode estar ligado a tratamentos nutricionais, atividade física, etc. e não só a doenças.

Drauzio – Vamos imaginar uma pessoa com pressão alta desde os 40 anos que não tenha controlado a hipertensão. Aos sessenta e poucos, tem um derrame cerebral, fica puxando um braço e uma perna, e um infarto do miocárdio, mas escapa vivo em condições precárias. Ela precisa de um neurologista por causa do derrame e sai da consulta com a prescrição de três ou quatro remédios. Precisa de um cardiologista para controlar a pressão e o ritmo cardíaco e tem mais três ou quatro medicamentos receitados. O que representa o custo desses tratamentos?

Fabiano Rocha – É um custo enorme para o indivíduo, para a família e para a sociedade. A partir do momento em que as doenças estão instaladas, é preciso descobrir uma abordagem racional de tratamento, mas é preciso também uma abordagem preventiva para que as pessoas não fiquem doentes. Atualmente, essa é uma preocupação não só da política de saúde pública, mas também dos serviços de saúde privados. Ninguém mais discute que implementar a qualidade de vida é a única saída para prevenir as doenças.

Drauzio – É possível envelhecer sem tomar remédios?
Fabiano Rocha – Sem dúvida. Envelhecimento não é sinônimo de doença. Embora elas sejam mais frequentes na idade avançada, não significa que o indivíduo necessariamente vai ter alterações de memória ou qualquer outro tipo de limitação. Conheço pacientes de 98, 100 anos que vão bem, obrigado, sem tomar praticamente medicação nenhuma. Alguns nunca foram hospitalizados, vivem bem e nos dão conselhos sobre como chegar lá em boas condições de saúde

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